terça-feira, 21 de agosto de 2007
quinta-feira, 12 de julho de 2007
A Opinião Pública NÃO EXISTE!
Por Pierre Bourdieu, Álvaro F. Oxley da Rocha 30/12/2005 às 19:01
A utilização de pesquisas de opinião para legitimar a atuação da Mídia e influenciar a atuação do Estado, usurpando o Poder do Povo. Derrubando a premissa de que exista uma opinião média legitimadora do poder dos meios de comunicação de massa.
A OPINIÃO PÚBLICA NÃO EXISTE.
A mídia se arvora o título de “4º Poder”, que diz ser calcado no monopólio do acesso à opinião pública, erigida no novo fator de legitimação da política atual, como fator democrático e de participação popular. Completamente ao arrepio da Constituição se considera equiparada às instituições fundamentais do Estado. O que, na verdade, não tem consistência, como se irá demonstrar abaixo, mas está calcada na baixo nível educacional da população, que alheia a filosofia e a ética, não consegue perceber a manipulação que sofre por parte dessas empresas, que se utilizam das pesquisas de opinião na tentativa de legitimar seus interesses camuflados.
Em seu estado atual, a pesquisa de opinião é um instrumento de ação política; SUA FUNÇÃO MAIS IMPORTANTE CONSISTE TALVEZ EM IMPOR A ILUSÃO DE QUE EXISTE UMA OPINIÃO PÚBLICA QUE É A SOMA PURAMENTE ADITIVA DE OPINIÕES INDIVIDUAIS; em impor uma idéia de qu seria uma coisa assim como a MÉDIA DAS OPINIÕES, ou A OPINIÃO MÉDIA. A “opinião pública” que se manifesta nas primeiras páginas dos jornais sob a forma de percentagens (60% dos franceses são favoráveis...), esta opinião é um artefato puro e simples cuja função é dissimular que o estado de opinião em um dado momento do tempo é um sistema de forças, de tensões e que não há nada mais inadequado para representar o estado da opinião do que uma percentagem.
As pesquisas de opinião são utilizadas apenas para efeitos de manchetes jornalísticas, dirigidas a leigos e sem valor científico, criando a ILUSÃO DA EXISTÊNCIA DE UMA OPINIÃO MEDIANA, DE MODO A MOLDAR AS EXPECTATIVAS E OPINIÕES DOS INDECISOS. Este tipo de informação dissimula todo um discurso de legitimação política, de modo a consolidar relações de força e dominação sobre a população, pela mídia e seus parceiros políticos!
Ora, sabemos que todo exercício da força se acompanha de um discurso visando a legitimar a força de quem o exercer; podemos mesmo dizer que é próprio de toda relação de força só ter toda sua força na medida em que se dissimula como tal. Em suma, falando simplesmente, o homem político é aquele que diz: Deus está conosco. O equivalente atual de “Deus está conosco” é “A OPINIÃO PÚBLICA ESTÁ CONOSCO”. Tal é o efeito fundamental da pesquisa de opinião: CONSITTUIR A IDÉIA DE QUE EXISTE UMA OPINIÃO PÚBLICA UNÂNIME, portanto legitimar uma política e reforçar as relações de força que a fundamentam ou a tornam possível.
Assim, a MÍDIA, invocando ou não a opinião pública, faz supor, aos desavisados, que os integrantes do campo jornalístico detêm um poder muito maior do que há na realidade. A mídia se arvora o direito de dizer o que a população pensa e assim se propõe a atender esse “clamor” que afirma existir, buscando dessa forma, ao mesmo tempo, forçar ações e iludir para tentar para legitimar seu “Poder”. A mídia busca apenas legitimação pública que permita aumentar sua cotação comercial diante dos patrocinadores, ou seja, elevar seu preço do tempo ou do espaço ocupado em seus meios pelos compradores destes produtos, para aumentar seu lucro. Para isso, a mídia reforça a crença na existência de uma “opinião pública” sobre a qual detém monopólio.
Evidencia-se do exposto que a mídia tenta incutir na sociedade uma idéia falaciosa de democracia, segundo a qual todos podem ter uma opinião, e que todas as opiniões têm valor (essa premissa seria verdadeira se a população fosse esclarecida quanto ao que é democracia, e que existisse uma popularização desses conceitos, seus pressupostos e exigências). Tal tentativa se reflete na aceitação ou crença na ação da mídia e na participação da massa popular no processo político sem estabelecer nenhum critério. É preciso enfatizar que os cidadãos “medianos”, que o Estado democrático pressupõe, são pessoas que têm condições materiais mínimas como renda, educação etc. que lhes permitem uma vida relativamente estável, de modo que podem avaliar as informações sobre a situação da comunidade e do Estado e com base na análise delas formular uma opinião válida. Na verdade a mídia releva está premissa e supervaloriza o método de medição, através da metodologia estatística, na tentativa de encobrir a realidade. Na verdade o resultado das pesquisas, em especial para fins políticos, é muitas vezes predeterminado (quando não grosseiramente manipulado) pela redação das perguntas dos questionários, obtendo-se o resultado que interessa a quem encomendou a pesquisa. Tais pesquisas tentam reforçar a idéia da existência de uma “opinião pública”, opinião mediana, que na verdade não existe, mas permite engrossar as manchetes de jornais e as chamadas de rádio e TV.
Ora, não há a possibilidade de se trabalhar pressupondo a existência desta opinião “mediana”. Os indicadores amplamente conhecidos de desemprego e de violência atuais demonstram o frágil equilíbrio de nossa sociedade e os resultados da avaliação do MEC indicam nossa baixa escolaridade. Sendo assim, que opinião válida podem fornecer as pessoal consultadas sobre a atividade política, por exemplo, ou a atividade em torno do Estado? Em pesquisa, porém, as pessoas perguntadas responderão. Essa resposta será válida, como quer a mídia?
O que se faz necessário ter em mente é que a mídia e sua “opinião pública” não dispõem constitucionalmente de qualquer Poder, não tendo absolutamente um peso real sobre o Estado democrático. O que é importante realçar é que não podemos deslocar para a mídia as discussões e decisões políticas, pois não é essa sua especialidade. Apesar da mídia ter um pólo dito “cultural”, ela possui também um pólo “comercial” que na verdade é muito mais importante que o primeiro (este sempre se curva a suas exigências, dada a natureza comercial da atividade). Daí a preocupação da mídia em “nivelar por baixo” os textos que serão divulgados na imprensa (simplificando, agregando, encurtando mensagens).
Aqui no Brasil, em razão dos sérios problemas sociais, é completamente inadequado o “nivelamento por baixo” da discussão política levada pela mídia. A autonomia do campo político deveria ser mantida a salvo de ingerências descompromissadas com o interesse público (o bem comum). Não se quer sonegar informações, mas evitar que o interesse de empresas comerciais que visam unicamente o ganho financeiro se introduzam ou ditem a pauta e o nível das discussões internas relacionadas à condução do poder público.
retirado do texto:
"Direito e Mídia:uma incompatibilidade radical" de Álvaro Filipe Oxley da Rocha e
"A Opinião Pública não existe" de Pierre Bourtdieu.
O CAOS AEREO, O LEITE LOPES E A MEDIOCRIDADE
Temos assistido ao festival do caos aeronáutico no Brasil. Atrasos nos vôos, demora em viajar de avião maior do que se fosse de ônibus, aviões que trombam em manobras nos pátios, aviões que escorregam nas pistas e até já tivemos um que ficou pendurado sobre a av. Bandeirantes,
As discussões passam pelos sistemas de controle aéreo, controladores “indisciplinados” que se recusam a atender 14 aeronaves ao mesmo tempo quando o padrão, segundo eles, deveria ser de 7, entre muitas outras causas. A discussão vai longe.
Mas, talvez o principal não esteja nessas áreas em discussão e o caos aparente só esteja escondendo um outro fator, mais importante e mais aterrorizador, qual seja a mediocridade na capacidade de planejamento das instituições que têm como única responsabilidade garantir a infra-estrutura de base ao desenvolvimento nacional. Uma dessas infra-estruturas é a aeroportuária.
Aeroportos com pequeno número de pistas ocupando áreas restritas e impedidas de ampliação pela ocupação urbana do seu entorno, não permite a ampliação do número de pistas nem o aumento de seus comprimentos para poder receber aeronaves de maior porte.
Aeroportos dimensionados para atender a demandas baseadas nas projeções futuras do uso dos aeroportos no conceito de triângulo das Bermudas, em que se transformou o eixo Rio – S. Paulo – Brasília, cujo público era composto por políticos, funcionários públicos, intelectuais, artistas e executivos, ou seja, um mercado exclusivo para os privilegiados dentre uma sociedade com uma distribuição de renda cruel.
Esqueceram-se que o Brasil é um país continental e que um dos fatores de integração nacional é o transporte aéreo. Que um dia essa má distribuição de renda iria se reduzir. Fazer previsões de demandas projetada para vinte anos com uma base de dados medíocre só pode gerar uma projeção medíocre. Esses estudos foram feitos nas décadas de 70 e 80.
O principal problema gerador do caos aéreo foi a falta de capacidade de planejamento com base em dados objetivos e previsíveis. Faltou em pensar grande. Sobrou mediocridade.
Esses aeroportos no exterior, embora dentro de áreas urbanas, têm áreas patrimoniais da ordem de
Quando o ministro Mantega afirma que o caos aeroportuário é o resultado da melhoria da economia do país, não está falando bobagem. É verdade, sim.
Quando é que nós assistimos a entrevistas nos aeroportos com eletricistas, pedreiros, atendentes de enfermagem em lugar de apenas de doutores?
Bobagem foi não ter sido prevista essa demanda. E, como a distribuição de renda no país ainda é cruel, como ficará quando essa distribuição de renda melhorar um pouco mais? Será o caos dentro do caos!
Parabéns, portanto, aos planejadores do sistema aeroportuário nacional.
Já que não é possível aumentar o número de pistas em Congonhas e outros aeroportos, o que fazer então, na opinião desses planejadores: internacionalizar outros, como por exemplo o Leite Lopes. Resolve-se um problema criando outro, pior ainda e ainda por cima mais cruel, porque se expulsam milhares de pessoas e submetem-se as que permanecerem ao ruído aeronáutico. Os moradores do entorno de Congonhas que o digam...
Prepara-se a internacionalização do Leite Lopes na condição de aeroporto cargueiro, com base num EIA-RIMA encomendado e tirado a fórceps através do sistema judiciários (o DAESP não queria fazê-lo, contrariando a legislação). E, depois de ampliado, o Leite Lopes ficará com uma área patrimonial de
Deve ser merecedor de ser incluído no Guiness (livro dos recordes) como o menor aeroporto cargueiro do planeta!
Para não nos alongarmos muito, podemos levantar apenas 2 pequenos problemas:
Para a ampliação serão expulsas mais de 6000 pessoas, das quais a maioria não é favelada mas mora em suas casas, construídas ao longo de muitos anos, com muito sacrifício, em terrenos com escritura e registro em cartório e com o Habite-se da Prefeitura, sendo que o custo total dessa ampliação é igual á construção de um aeroporto novo, zerinho, em área de canaviais, sem gente para ser expulsa de suas casas e com ampla possibilidade de ampliações futuras tanto no comprimento da pista como no número de pistas. E ainda sobra verba para comprar a fita e a tesourinha para a inauguração.
O aeroporto internacional, tão propalado e defendido por certos setores da sociedade ribeirãopretana, não cabe no Leite Lopes. Não é um problema ideológico: é um problema de espaço físico.
Se o aeroporto, com pista cargueira a sério, não cabe no Leite Lopes e se a construção de uma aeroporto novo sai pelo mesmo preço da ampliação do Leite Lopes, qual é a relação com o caos no sistema aeroportuário? A única coisa em comum é a mediocridade.
A propósito de mediocridade, é importante ressaltar que esse termo não é pejorativo nem chulo. Consta no dicionário que é a capacidade de ser medíocre e. este, significa apenas que é abaixo da média. Será que o atual caos nos aeroportos deve-se a um planejamento maior que medíocre? A ampliação do Leite Lopes poderá ser enquadrada dentro desse padrão?
Para finalizar, resta a seguinte pergunta:
Será que Ribeirão Preto vai ter um aeroporto adequado para apoiar o seu desenvolvimento futuro, ou vai ter apenas um aeroporto marca Congonhas ano 70?
Este texto foi produzido pelo camarada Lênio, secretário de meio-ambiente do diretório municipal de Ribeirão Preto do PCB.
Sobre a desobediência civil
Os críticos da ocupação enquanto estratégia argumentam que ela fere não apenas o princípio da legalidade, como também a civilidade e o diálogo e que, portanto, trata-se apenas de uma ação violenta, autoritária e criminosa.
As instituições civilizadas que esses críticos defendem, do voto universal para cargos legislativos até os direitos trabalhistas e as leis de proteção ambiental foram frutos de ações diretas, não mediadas pelas instituições democrático-liberais: foram fruto de greves (num momento em que eram ilegais), de ocupações de fábricas, de bloqueios de ruas. Não é possível defender o valor civilizatório destas conquistas que criaram pequenos bolsões de decência num sistema econômico e político injusto e degradante e esquecer das estratégias utilizadas para conquistá-las. Ou será que tais ações só passam a ser meritórias depois de assimiladas pela ordem dominante e quando já são consideradas inócuas?
As ações diretas que desobedecem o poder político não são um mero uso de força por aqueles que não detêm o poder, mas um uso que aspira mais legitimidade que as ações daqueles que controlam os meios legais de violência. Talvez fosse o caso de lembrar, mesmo para os cientistas sociais, que nossas instituições democrático-liberais são instrumentos de um poder que aspira o monopólio do uso legítimo da violência. Há assim, na desobediência civil, uma disputa de legitimidade entre a ação legal daqueles que controlam a violência do poder do estado e a ação daqueles que fazem uso da desobediência reivindicando uma maior justiça dos propósitos.
Os críticos da ocupação da reitoria, em especial aqueles que partilham do mesmo propósito (a defesa da autonomia universitária), podem questionar se a ocupação está conquistando, por meio da sua estratégia, legitimidade junto à comunidade acadêmica e à sociedade civil. Esse é um dilema que todos que escolhem este tipo de estratégia de luta têm que enfrentar e que os ocupantes estão enfrentando. Mas desqualificar a desobediência civil e a ação direta em nome da legalidade e da civilidade das instituições é desaprender o que a história ensinou. Seria necessário também lembrar que mesmo do ponto de vista da legalidade, nossas instituições não vão tão bem?
Independente de como a ocupação da reitoria termine, ela já conseguiu seu propósito principal: fomentar a discussão sobre a autonomia universitária numa comunidade acadêmica que permaneceu apática por meses às agressões do governo estadual e que só acordou com o rompimento da ordem.
Adma Fadul Muhana, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
O MARXISMO E A LUTA POLÍTICA
Entrevista com Armando Boito, professor da Unicamp
“O modelo capitalista neoliberal tornou mais evidente a actualidade de O Capital: esse modelo capitalista aumentou a população excedente, destruiu as reformas que abrandavam a condição de mercadoria da força de trabalho, transformou o Estado capitalista em algo muito mais próximo do que ele é do que daquilo que ele diz ser” João Aguiar* - Lisboa, 11 de julho de 2007. jornal o DIARIO.
Entrevista realizada por João Aguiar para O Diário (Portugal) com Armando Boito, professor de Ciência Política na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Brasil.João Aguiar (JA):
- Neste ano de 2007 passam 140 anos da publicação do Primeiro Livro d'O Capital. Na tua perspectiva, qual a actualidade dessa obra magna do pensamento de Marx para compreender a realidade contemporânea do capitalismo?
Armando Boito (AB): - A economia, a sociedade e a política capitalista mudaram muito desde que Marx escreveu O Capital: monopólios, imperialismo, industrializaçã o capitalista de parte dos antigos países coloniais, Estado de bem-estar (ou o que ainda resta dele), ampliação da democracia burguesa, transformações da classe operária etc. Mas a obra de Karl Marx é uma obra científica revolucionária e trata das leis básicas da economia capitalista. Antes de nos perguntarmos sobre a sua actualidade, chamemos atenção para esse aspecto.Como obra científica revolucionária, O Capital abriu um novo continente teórico, o continente das formas de reprodução e de transformação da vida em sociedade. Como e por que os homens organizam-se dessa ou daquela maneira? Como reproduzem essa organização? Como e por que essas formas de organização envelhecem e morrem? Como e por que se transita para formas novas? Quantas obras enfrentam questões teóricas fundamentais e de longo alcance como essas, como faz Karl Marx em O Capital? O objecto dele não é, digamos assim, isso tudo. Ele trata, fundamentalmente, da economia capitalista. Porém, ele insere esse tratamento no corpo de uma teoria mais ampla, o materialismo histórico, que ele próprio estava, juntamente com Frederico Engels, colocando em pé. O resultado foi a longa tradição marxista. Muitos elementos básicos dessa teoria puderam ser extraídos de O Capital por economistas, sociólogos, antropólogos e cientistas políticos marxistas que criaram conceitos e teses originais para pensar de modo científico e crítico a economia, a política e a cultura no capitalismo contemporâneo. Os estudos do século XX e XXI sobre o processo de monopolização (“A concorrência leva ao monopólio”, Marx), sobre imperialismo, sobre o Estado capitalista (ao qual Marx reservou um lugar especial no plano original, e nunca completado, de sua obra...), sobre o Estado de bem-estar, sobre as classes sociais e tantos outros são tributários dessa grande obra revolucionária de Karl Marx.Além disso, olhando a obra O Capital apenas como a análise da economia capitalista, devemos lembrar que Marx nos fala, digamos assim, do conceito de capitalismo e, não, do capitalismo do século XIX. Por isso, é possível enumerar conceitos e teses desenvolvidos por Marx que são, a despeito das transformações reais do capitalismo, fundamentais para compreender o funcionamento actual desse sistema: o conceito de mercadoria, a teoria do valor, a distinção entre trabalho e força de trabalho, a distinção entre o mercado e a produção, a análise do processo de acumulação como valorização do valor, a análise da “escravidão” do moderno trabalhador assalariado (“O trabalhador livre pode escolher se trabalhará para este ou aquele capitalista, mas não se irá ou não trabalhar para a classe capitalista.” , Marx), os conceitos de mais-valia absoluta e relativa, os mecanismos que governam a jornada de trabalho, a análise da inovação tecnológica, a lei geral da acumulação capitalista, a população excedente, a tendência decrescente da taxa de lucro (que, na verdade, não está tratada no volume cuja publicação comemoramos este ano de 2007, mas que é a lei que instigou a burguesia a combater o Estado de bem-estar e implantar o modelo capitalista neoliberal), esses e outros conceitos e teses continuam imprescindíveis para compreender a economia capitalista actual.Falando de actualidade da obra, caberia ainda lembrar, que o modelo capitalista neoliberal tornou mais evidente a actualidade de O Capital: esse modelo capitalista aumentou a população excedente, destruiu as reformas que abrandavam a condição de mercadoria da força de trabalho, transformou o Estado capitalista em algo muito mais próximo do que ele é do que daquilo que ele diz ser. As reformas impostas pelo movimento operário ao capitalismo (Estado de bem-estar) e pela luta anti-imperialista ao imperialismo (desenvolvimento capitalista de parte dos países dependentes) aparecem, hoje em dia, como resultado de uma luta que desviou o capitalismo de sua tendência espontânea e natural. A tese de Marx no capítulo XXIII do Volume I, segundo a qual a lei geral da acumulação capitalista acaba por se impor, soa, hoje, como a advertência de um grande sábio. O capitalismo neoliberal “actualizou” O Capital.
João Aguiar (JA): - No 24º capítulo do Capital referente à acumulação primitiva ou original, Marx afirma que «em Inglaterra, no fim do século XVII, os diversos momentos da acumulação original são reunidos sistematicamente no sistema colonial, no sistema da dívida do Estado, no sistema moderno de impostos e no sistema proteccionista. Estes métodos repousam, em parte, sobre a violência mais brutal. Todos eles utilizam, porém, o poder de Estado, a violência concentrada e organizada da sociedade, para acelerar, como em estufa, o processo de transformação do modo de produção feudal em capitalista e para encurtar essa transição». Tu tens abordado esta temática em alguns dos teus trabalhos. Nesse sentido, de que modo é que o Estado contribuiu para a transição para o capitalismo? Qual o seu papel nesse processo?
Armando Boito (AB): - No geral, eu parto da análise de Karl Marx presente no capítulo sobre a chamada acumulação primitiva e no Prefácio de 1859 a Contribuição à Crítica da Economia Política: o desenvolvimento das forças produtivas é a causa necessária da mudança histórica. Esse é, para mim, o coração materialista do materialismo histórico. Abandonada essa tese, acabou o marxismo. Como explicar a mudança histórica sem ela? Acrescento, contudo, que a transformação política do Estado deve ser acrescentada como causa suficiente, acréscimo que, embora esteja perfeitamente de acordo com o grosso dos escritos de Marx, é, contudo, negligenciado por ele na formulação sintética que fez no Prefácio de 1859 do qual é possível deduzir uma visão economicista do processo histórico – visão na qual o desenvolvimento das forças produtivas seria a causa necessária e suficiente da mudança.Digamos uma palavrinha, então, sobre a causa suficiente: a política. Eu a concebo de modo um tanto diferente daquele que a pergunta apresenta, e que é o modo predominante de pensar a questão. É claro que a acção repressiva do Estado é fundamental na mudança. Não nego isso. Mas, para que essa acção do Estado encaminhe a transição é preciso uma mudança prévia: uma mudança na estrutura do Estado, isto é, no tipo de Estado.Eu entendo que é disso que fala Marx quando analisa a Comuna de Paris de 1871: a forma política foi enfim descoberta. Ou seja, é preciso mudar a estrutura do Estado – cargos electivos na administração, mandato imperativo, passagem de tarefas da burocracia directamente para as organizações populares etc. Essa mudança na estrutura é a mudança fundamental. Ela cria as condições políticas imprescindíveis para mudar a estrutura económica. Podemos formular esta ideia assim: a socialização do poder político é pré-condição para a socialização dos meios de produção. A transição ao capitalismo também dependeu da mudança prévia da estrutura do Estado. A criação de um Estado baseado num direito formalmente igualitário e constituído de instituições aparentemente universalistas, o que só foi proporcionado pela eliminação das ordens e dos estamentos e pelo fim do acesso restrito aos indivíduos oriundos das classes dominantes aos cargos de Estado, isto é, o que só foi proporcionado pela revolução política burguesa, propiciou o desenvolvimento da economia capitalista. Sequer o mercado de trabalho pode se formar sem o direito formalmente igualitário.
João Aguiar (JA): - Uma última questão. De forma resumida qual consideras ser o principal legado de Marx para o estudo dos fenómenos políticos? Ou seja, que vectores nucleares se encontram no conjunto da obra marxiana e que se podem afirmar como essenciais para a compreensão da luta política que se engendra na actualidade?
Armando Boito (AB): - Essa é uma pergunta pertinente e difícil. Pertinente, porque, na maioria das vezes, os próprios marxistas não a fazem. Infelizmente, o economicismo dominante em algum marxismo do século XX ainda não foi suficientemente criticado. Tal economicismo bloqueia a reflexão teórica sobre a política. Difícil, porque Marx não deixou, ao contrário do que ocorre com a economia capitalista, uma obra teórica sistemática sobre a política. Considero que o grosso da teoria marxista sobre a política encontra-se em suas obras históricas e deve ser extraída e desenvolvida a partir de lá, separando o que está colado na conjuntura que Marx analisa daquilo que é teórico e geral.Consideremos apenas a política nas sociedades de classe, o que já é muita coisa. Quem e como se faz política nas comunidades tribais, é um tema diferente.a) A ideia mais geral, penso eu, é a concepção de que a política, nas sociedades de classe, é um confronto duro de interesses. Ela não é uma tertúlia, um espaço público reservado ao diálogo, ao contrário do que pretende Jurgen Habermas – veja-se o capítulo VII do mais recente livro de Habermas Direito e democracia. Os argumentos não convencem aqueles cujos interesses são contrariados e tampouco os indivíduos controlam, racionalmente, a sua própria argumentação. São os interesses de classe que a comandam, às espaldas do emissor do discurso. b) A política nas sociedades de classe é um confronto duro de interesses porque é uma acção de classe. Não é a luta entre correntes de opinião – conservadores contra progressistas, direita contra esquerda, neoliberais contra desenvolvimentistas . As correntes de opinião existem, mas o que é preciso é perceber que são, apenas, a parte mais visível do fenómeno. Elas têm, no fundo, raízes de classe. Um valor, uma opinião, uma proposta política podem representar uma ameaça a tudo aquilo que determinadas pessoas têm de mais importante. A distribuição de renda retira a riqueza material dos abastados, a reforma agrária retira a terra do grande proprietário, a democracia no local de trabalho mina o poder dos chefes e dos proprietários, e assim por diante. São interesses materiais básicos, modos de vida entranhados que são defendidos ou postos em questão por determinados valores ou por determinadas ideias – essa relação entre valores e interesses que os determinam nem sempre é consciente, como já indiquei. Esses valores e ideias se difundem, no geral e abstraindo outros factores, seguindo essas linhas de interesses socio-económicos vitais que são, em última instância, interesses de classe. Daí o carácter agudo, e muitas vezes selvagem, do conflito político como conflito de classe.c) A acção política é uma acção de classe, mas ela não aparece como tal – daí a importância da análise científica da política. A cena política burguesa oculta o carácter de classe da acção política, isto é, oculta a relação de representação de interesses existente entre, de um lado, os partidos políticos, organizações de diversos tipos, jornais etc. e, de outro lado, as classes sociais, suas fracções, as alianças que estabelecem etc. Isso não foi sempre assim. Os Estados de tipo pré-capitalista traziam inscritos nas suas próprias instituições o seu carácter de classe. Foi o Estado capitalista, com as suas instituições aparentemente universalistas, que possibilitou a formação da cena política burguesa onde tudo se parece com uma sociedade de cidadãos inominados agrupados segundo grandes princípios e valores comuns. Essa é a visão superficial e liberal da cena política burguesa. Onde Marx tratou magistralmente disso é no seu conhecido livro Dezoito Brumário de Luís Bonaparte.d) Esse confronto duro de interesses de classe está concentrado no Estado. Aqui, a polémica importante a ser feita é com Michel Foucault e com Talcott Parsons – veja-se, do primeiro, a colectânea A microfísica do poder e, do segundo, o artigo “On the concept of political power”. São dois pensadores muito importantes do século XX e, ambos, pensaram a política como algo institucionalmente difuso, uma prática que se desenvolve em todos os âmbitos, sem qualquer hierarquia de importância entre eles – os seguidores de Foucault não gostam de recordar isso, mas Foucault seguiu o conservador Parsons nesse terreno. Na prática, Parsons e Foucault pensaram a política nas micro-instituiçõ es sociais. Tudo seria, indistintamente, política. Ora, para Marx e para toda tradição marxista, a política tem como objectivo estratégico a conquista do poder institucionalmente concentrado no Estado. Quem julga poder dar as costas para o Estado coloca-se fora da luta política – e passa a ser objecto da acção política de terceiros. Diversos movimentos sociais ignoram essa tese nos dias de hoje. O altermundialismo fez da dispersão estratégica das lutas, que tem como tese correlata o desprezo pela organização partidária, uma divisa do movimento. Há um foucaultianismo ou parsonianismo espontâneo no altermundialismo. Se continuar assim, esses movimentos jamais romperão com o reformismo.e) Dizer que a luta política de classes concentra-se na disputa pelo poder de Estado, é dizer, ao mesmo tempo, que o Estado organiza a dominação de classe. Essa tese sobre a função social do Estado é a grande e revolucionária tese da teoria marxista do Estado, que integra a teoria marxista da política. Não penso que Marx não tenha, como pretende Norberto Bobbio, uma teoria do Estado ou da política. Expus algumas teses da teoria da política, aquelas referentes à sociedade de classes. Falei, agora, da teoria do Estado. Quem ler, hoje, o Estado e a revolução, de Lenine, ou A guerra civil na França, de Marx, poderá constatar a riqueza dessa teoria do Estado. Na segunda metade do século XX, tivemos o tratado de Nicos Poulantzas, Poder político e classes sociais, onde a função social do Estado e a sua estrutura são analisados de modo sistemático e original dentro da tradição marxista. Mas, o essencial é isso: o Estado organiza a dominação de classe, concentrando, em si, o poder da classe dominante.* Estudante de sociologia
sábado, 7 de julho de 2007
Il Pleut Sur L’Université
Hoje é um dia cinza e triste, Il pleut sur L’Université!
Na calada da noite, sem testemunhas, no mais puro estilo autocrático digno dos tempos da ditadura, a força tática e a tropa de choque da polícia militar, com a conivência presente do diretor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp/Ar., Cláudio Gomide, executaram a reintegração de posse do prédio da diretoria do Campus de Araraquara.
Contra a truculência, as armas e o aparato repressivo da polícia de choque, o olhar digno dos rostos dos estudantes que bravamente defenderam e continuam a defender a Universidade pública gratuita e de qualidade. Contra a proposta de diálogo, os cassetetes. Contra os argumentos dos estudantes, a prisão e o 4° Distrito Policial !
Este fato demarca águas e campos na história das Universidades Estaduais Paulistas. Nunca, nem mesmo nos tempos mais duros dos anos de chumbo, uma autoridade acadêmica utilizou-se da força policial contra reivindicações estudantis. Particularmente na Unesp, onde vemos uma crescente “criminalização” do movimento estudantil, onde o diálogo e a tolerância democrática vem sendo substituídos por punições, expulsões e agora, em seu clímax, a Tropa de Choque no Campus!
Mais que inaceitável, tal ignomínia não somente assinala o caráter de um governo que se empenha desesperadamente em cumprir acordos inconfessáveis de privatização do ensino superior paulista como ― e o que se constitui no ponto de maior gravidade ―, aponta para a cooptação e a adesão por parte de um segmento dos professores à política de desmonte da Universidade pública.
Há todo um contexto nessa ação despropositada perpetrada no Campus da Unesp de Araraquara. É o início da fase repressiva do governo estadual para com os movimentos estudantis e dos funcionários do serviço público. Especialmente das Universidades, onde se encontram os núcleos de resistência mais conseqüentes. A construção de uma base política de Serra nas Universidades públicas é parte significativa para a “legitimação” da repressão e do desmonte. O apoio da mídia ― que vocifera diariamente contra as “badernas” estudantís ― e a aceitação irresponsável por parte dos reitores das “explicações” esfarrapadas do sr. governador constituem um aríete importante da ofensiva privativista sem precedentes do governo José Serra, contra as Universidades públicas do Estado de São Paulo.
Frente a isso, e aos novos acontecimentos, emblematizados na ação repressiva de Araraquara, não podemos vacilar e tampouco tergirversar. As ADs das Universidades públicas paulistas e o Fórum das Seis devem se pronunciar repudiando duramente essa ação autocrática e lesa-Universidade contra os estudantes. Mais do que isso, devemos discutir em nossas assembléias o que fazer diante de tal truculência e insanidade. Como educadores temos a obrigação de refletir com profundidade sobre o significado desse ato. Agora, “dialogam” com a tropa de choque contra os estudantes, depois, serão as punições institucionais contra professores e funcionários que se atreverem a questionar as atitudes da burocracia acadêmica e do governo de São Paulo. Na próxima greve a interlocução “acadêmica” poderá ser realizada com a polícia de choque e no distrito policial.
É na continuidade do nosso movimento que devemos responder a um ato que inicia a nova fase de “diálogos” de Serra com a Universidade pública: a do prendo e arrebento. Calados, seremos coniventes. Mobilizados manteremos nossa luta contra o desmonte e a privatização das Universidades Estaduais Paulistas.
Com a palavra, o movimento!